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ão é segredo para ninguém a importância de manter nossos bancos de sangue cheios. Doar sangue, além de um ato de generosidade imenso, também salva muitas vidas.

Existem duas datas importantes durante o ano em que campanhas são feitas para lembrar a todos da importância dessa doação: o Dia Mundial do Doador de Sangue, comemorado em 14 de junho, e o Dia Nacional do Doador de Sangue, comemorado no dia 25 de novembro.

Mesmo com os avanços frequentes da medicina, nós ainda precisamos ter um banco de sangue abastecido para conseguir realizar diversos procedimentos. A vida curta de alguns hemocomponentes torna ainda mais importante o comparecimento regular da população aos hemocentros para doação de sangue.

Por isso, o Ministério da Saúde criou, em 2015, a campanha Junho Vermelho para homenagear as pessoas que voluntariamente dedicam um tempo para doar sangue e incentivar a ação.

Acompanhe a leitura para saber mais sobre a importância da doação de sangue, como ocorremos procedimentos de coleta e os laboratoriais e a sua evolução ao longo da história!

 

O que é o sangue?

A Fundação Pró-Sangue de São Paulo define o sangue como um tecido vivo em circulação pelo corpo responsável pelo transporte de oxigênio e nutrientes aos órgãos para que esses se mantenham em funcionamento.

Esse tecido vivo, por sua vez, é composto por plasma, hemácias, leucócitos e plaquetas:

  • O plasma é a parte líquida do sangue, pela qual circulam as substâncias nutritivas;
  • As hemácias, por sua vez, são os glóbulos vermelhos e desempenham o papel de transporte do oxigênio, entre outras funções;
  • Os leucócitos, ou glóbulos brancos, se encarregam das defesas do organismo;
  • As plaquetas atuam no processo de coagulação sanguínea.

Diante destas funções, entende-se o por quê do sangue ser um elemento fundamental e indispensável para a sobrevivência humana. E por mais que a medicina tenha evoluído e a biotecnologia tenha alcançado grandes avanços como a produção de anticorpos monoclonais, de biossensores, sondas e chips de DNA, ninguém ainda foi capaz de reproduzir o sangue sinteticamente.

Em razão disso, a doação de sangue continua a ser essencial para a manutenção da vida de pacientes com doenças como anemia, hemofilia, transtornos de plaquetas ou, ainda, daqueles que são vítimas de acontecimentos inesperados que envolvam urgências e emergências.

O que é preciso para doar sangue?

Existem alguns requisitos básicos para que alguém seja doador. Segundo o hemocentro de São Paulo, é necessário:

  • Estar em boas condições de saúde;
  • Ter entre 16 e 69 anos, desde que a primeira doação tenha sido feita até 60 anos (menores de 18 anos precisam de alguns documentos para poder efetivamente doar e de assinaturas em formulários de autorização;
  • Pesar no mínimo 50kg;
  • Estar descansado (ter dormido pelo menos 6 horas nas últimas 24 horas);
  • Estar alimentado (evitar alimentação gordurosa nas 4 horas que antecedem a doação);
  • Apresentar documento original com foto recente, que permita a identificação do candidato, emitido por órgão oficial (Carteira de Identidade, Cartão de Identidade de Profissional Liberal, Carteira de Trabalho e Previdência Social, Carteira Nacional de Habilitação e RNE-Registro Nacional de Estrangeiro).

Para doar, o melhor jeito é procurar o hemocentro da sua cidade, ou cidade mais próxima. Você encontra uma lista completa clicando aqui.

Quanto tempo demora para doar sangue?

O processo completo, que envolve o cadastro, procedimento e até mesmo um lanche pós-doação dura, em média, 40 minutos.

Quais são os benefícios para a saúde para quem doa sangue?

É importante lembrar que o principal benefício da doação de sangue é a ajuda ao outro. Uma bolsa de sangue doada pode salvar até 3 vidas.

Porém, existem estudos que indicam que ser doador traz benefícios para o coração e diminui o risco de câncer. Também é um cuidado com a sua saúde, já que todo doador recebe um check-up gratuito, podendo aferir qualquer problema de saúde.

Quem não pode doar sangue?

Ainda segundo o hemocentro de São Paulo, algumas condições podem impedir que a doação ocorra, dividindo-as em impedimentos temporários e impedimentos definitivos.

Entre os impedimentos temporários, podemos citar mulheres grávidas ou que tiveram filho recentemente, quando é recomendado que haja uma espera de180 dias após o parto. Outra recomendação é para pessoas gripadas: pede-se que a pessoa espere 7 dias depois da recuperação para poder doar.

Já os impedimentos definitivos são para pessoas que já foram submetidas a transplante de órgãos ou de medula e portadoras de Hepatite B, Hepatite C, Doença de Chagas, Sífilis, HIV, HTLV, entre outras doenças.

Clique aqui para ver a lista completa de impedimentos.

Além disso, existe a recomendação de intervalo entre as doações, que é de 90 dias para as mulheres e 60 dias para os homens

 

Pandemia

Por conta do novo coronavírus, os bancos de sangue estão sentindo o baque. Muitos deixaram de doar por conta do isolamento social e isso afeta diretamente os hospitais e aqueles que precisam do sangue. Porém, o Ministério da saúde já orientou a população de que as doações devem continuar pois, segundo o Ministério:

“a doação de sangue é segura, não havendo riscos para quem doa. Para receber os doadores, os cerca de 32hemocentros do país, além de aproximadamente 500 serviços de hemoterapia – onde também são feitas coletas e uso do sangue -, estão preparados. Todos os serviços estão disponibilizando condições de lavagem de mãos, uso de antissépticos e acolhimento que minimizem a exposição a aglomerado de pessoas. Cuidados com a higienização das áreas, instrumentos e superfícies também têm sido intensificados pelos hemocentros”.

Portanto, se você não possui um impedimento, não deixe de praticar este ato de amor e ajude no reabastecimento de nossos bancos de sangue!

 

Triagem e análise clínica

Após ser doado, o sangue passa por etapas de teste e processamento em laboratório para eliminar qualquer possibilidade de contaminação e aumentar o seu potencial, permitindo que mais pessoas possam ser beneficiadas pela mesma bolsa de sangue.

Tais processos laboratoriais são supervisionados por um especialista em hematologia e/ou hemoterapia, que é responsável pelo Hemocentro.

Na verdade, o processo todo começa antes mesmo da doação de sangue, com a pré-triagem. Nesta etapa, um profissional de saúde afere os sinais vitais (pressão arterial, pulso e temperatura), avalia as medidas de altura e peso do doador, e registra a quantidade de hemácias no volume total do sangue coletado.

Depois disso, o doador é encaminhado para uma entrevista, onde são avaliados fatores de risco e antecedentes patológicos. Existem doenças que não são detectáveis pelo exame de sorologia ou cuja janela imunológica possibilita que elas passem despercebidos, o que faz com que a entrevista ainda seja necessária.

Fracionamento do sangue

Os componentes sanguíneos são separados através do processo laboratorial denominado fracionamento do sangue, cuja função é permitir que mais de um paciente seja beneficiado com a mesma bolsa, garantindo que cada indivíduo receba apenas o componente sanguíneo necessário e requisitado ao seu tratamento.

Os hemocomponentes separados nesse processo são divididos em:

Concentrado de hemácias

Composto pelas células sanguíneas que fazem o transporte do oxigênio para todo o corpo, as hemácias são utilizadas para o tratamento deanemias agudas, muitas vezes, provocadas por hemorragias decorrentes de acidentes ou cirurgias.

Concentrado de plaquetas

Responsáveis pelo mecanismo de coagulação sanguínea, a transfusão de plaquetas é necessária quando uma disfunção causa a diminuição na quantidade deste hemocomponente no sangue, como, por exemplo, durante a quimioterapia, hepatopatias ou em leucemias.

Plasma fresco congelado

Correspondente à parte líquida do sangue, esse hemocomponente contém os fatores de coagulação, com exceção da plaqueta. O plasma é utilizado em casos de sangramento e deficiência de fatores de coagulação, que podem ocorrer em portadores de hemofilia B e grandes queimaduras.

Crioprecipitado (CRIO)

Obtido após processo de descongelamento do plasma fresco congelado em temperatura de 4°C. O crioprecipitado possui o fator Willebrand efibrinogênio (I) e os fatores de coagulação XIII e VIII, sendo utilizado em tratamentos de pacientes com deficiência de coagulação.

Testes em laboratório

Enquanto o material colhido passa pelo processo de fracionamento, algumas amostras retiradas durante a doação de sangue seguem para testes em laboratório para identificação de possíveis patologias infecciosas, como:

  • Hepatite B;
  • HIV 1 e 2;
  • Sífilis;
  • Doença de Chagas;
  • HTLV I e II.

Validade do sangue

Além das funções, os hemocomponentes possuem vidas úteis diferentes, podendo durar de cinco dias a até um ano. A validade dos elementos é variável de acordo com sua composição:

  • Concentrado de hemácias: 35 a 42 dias;
  • Concentrado de plaquetas: 5 dias;
  • Plasma fresco congelado: 1 ano;
  • Crioprecipitado: 1 ano.

Uma janela de tempo sem novas doações afeta consideravelmente o estoque de plaquetas, que são essenciais para pacientes com distúrbios de coagulação. Por isso são tão importantes as campanhas como a do Junho Vermelho, que incentivam a doação de sangue.

 

Da primeira transfusão aos dias de hoje: a evolução da doação de sangue

O Banco de Sangue do Instituto do Hospital Oswaldo Cruz e a Fundação Pró-Sangue de São Paulo defendem que as primeiras transfusões de sangue surgiram em 1665 e foram feitas com sangue de animais. A partir daí, pode-se estabelecer uma linha do tempo com os principais eventos na história da doação de sangue:

1667 – O médico francês Jean Baptiste Denis foi o responsável por injetar o sangue de um carneiro (transfusão heteróloga) em um jovem com problemas psíquicos que andava nu pelas ruas de Paris. O homem, de 34 anos, contudo, morreu antes de receber a terceira transfusão. 

1778 – Resultados positivos foram alcançados por meio de transfusão homóloga entre animais da mesma espécie.

1818 – É registrada a primeira transfusão sanguínea humana em pacientes do sexo feminino com hemorragia pós-parto. O feito é atribuído ao médico obstetra britânico James Blundell. Ele teria sido bem-sucedido após ter usado o marido da parturiente como doador e evitado que ela morresse em decorrência do sangramento uterino.

1840 – Também com auxílio de Blundell, Samuel Armstrong Lane promove a primeira transfusão sanguínea para tratamento de hemofilia.

1900 – O médico austríaco Karl Landsteiner descobre a existência de três grupos sanguíneos humanos: A, B e C. Esse último, tempos depois, foi alterado para o conhecido tipo O.

1902 – É descoberto o tipo sanguíneo AB.

1907 – É feita a primeira transfusão de sangue usando tipagem sanguínea à prova cruzada, comandada pelo hematologista americano Reuben Ottenberg. Foi ele também que observou a herança mendeliana e reconheceu a utilidade sanguínea do sangue tipo O.

1912 – É desenvolvido o mecanismo que ficou conhecido como tempo de coagulação Lee-White. Além disso, Roger Lee demonstra que é seguro que pacientes de qualquer tipo sanguíneo recebam sangue do tipo O. E que pacientes do grupo AB são receptores universais.

1914 – O mecanismo de preservação do sangue evolui a partir do desenvolvimento do anticoagulante citrato de sódio.

1915 – Graças à possibilidade de preservar material refrigerado e anticoagulado, Richard Lewisohn demonstra, pela primeira vez, a possibilidade de transformar a transfusão direta em indireta.

1916 – É criado o primeiro reservatório de sangue durante a Primeira Guerra Mundial.

1932 – Um hospital de Leningrado, São Petersburgo (Rússia), é o primeiro a receber um banco de sangue.

1940 – É descoberto o sistema Rh por Karl Landsteiner, Alex Wiener, Philip Levine e R. E. Stetson. No mesmo ano, o governo americano inicia uma campanha de coleta de sangue para envio aos soldados da Segunda Guerra Mundial.

1943 – P. Beeson é responsável por descrever a transmissão de hepatite via transfusão.

1950 – Carl Walter e W.P. Murphy Jr. apresentam o saco plástico para coleta de sangue, um dos materiais técnicos de maior utilidade ainda hoje. 

1959 – Na Universidade de Cambridge, Max Perutz descobre a estrutura molecular da hemoglobina e suas funções de transporte do oxigênio, assim como capacidade de garantir a coloração da série vermelha.

1960 - É relatado o primeiro processo de plasmaférese terapêutica promovido por A. Solomon e J. L. Fahey.

1962 – É desenvolvido o primeiro concentrado de fator anti-hemofílico (AHF) por meio de fracionamento.

1967 – A imunoglobulina Rh passa a ser comercializada com a finalidade de prevenir a doença de Rh em recém-nascidos de mulheres com fator Rh negativo (causa da eritroblastose fetal).

1970 – Os bancos de sangue passam a funcionar pelo mecanismo de doação voluntária.

1980 –Médicos passam a ser treinados para atuação específica no campo da medicina transfusional em decorrência de avanços vistos nos campos da coagulação, troca de plasma, tratamento de doenças autoimunes e afins.

1981 – É relatado o primeiro caso de Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids).

1987 – O sangue coletado passa a ser testado também para anticorpos da hepatite B e alanina aminotransferase (ALT).

1989 – É iniciada a testagem para o anticorpo do vírus T linfotrópico humano (anti-HTLV-I)

1990 – É criado o primeiro teste para detecção de hepatite C.

1992 – Doadores passam a ser testados para anti-HIV-1 e anti-HIV-2

1999 – Testes amplificados de ácido nucleico passam a ser utilizados para detecção de materiais genéticos de vírus HCV e HIV.

2002 – Descoberta de que o vírus do Nilo Ocidental é transmissível via transfusão.

Como visto, a evolução da doação de sangue é inegável e contribui muito para a segurança dos hemocomponentes e das pessoas.

Um dado importante da ONU e da OMS é que a taxa de doação de sangue voluntária é 9 vezes maior em países ricos, sendo que estas nações abrigam menos de 20% dos habitantes do planeta, 34 países dependem da doação de familiares ou têm de pagar por doadores.

A OMS almeja que 100% da doação de sangue seja voluntária – é a chance de ajudarmos ao próximo. Vamos ajudar?


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Postado em
9/6/22
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