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injúria (ou lesão) renal aguda (IRA) é um assunto de extrema importância na prática clínica. Além disso, é um tema frequente nos concursos médicos. Por conta disso, preparamos esse artigo com alguns tópicos importantes que devem ser incluídos na sua rotina de estudos.

No manejo desses pacientes alguns pontos são fundamentais. Já anota aí:

  • identificar o quadro de piora aguda de função renal;
  • classificar o estágio da IRA de acordo com os critérios de KDIGO;
  • entender o mecanismo fisiopatológico do processo agudo;
  • identificar a etiologia;
  • manejar clinicamente, sabendo quando indicar ou não diálise.

Quando discutimos as principais causas de IRA, é preciso considerar as principais etiologias: desidratação, fatores hemodinâmicos (sd. cardiorrenal, por exemplo), processos obstrutivos, sepse, contraste iodado, medicamentosa etc. Nesse post iremos abordar uma causa bem interessante de IRA associada a lesão de grandes grupamentos musculares (traumática ou não): a rabdomiólise.

O que é rabdomiólise?

Rabdomiólise é o nome que se dá para a lesão intensa de musculatura esquelética, que lança na corrente sanguínea componentes musculares potencialmente tóxicos ao sistema tubular renal, especialmente a mioglobina. O desenvolvimento de IRA associada a rabdomiólise é, independente da causa, fator associado a gravidade.Estima-se que até 50% dos casos de rabdomiólise evoluem, em menor ou maior grau, com acometimento renal agudo.Diversos fatores podem levar a lesão muscular intensa, sendo trauma a principal causa. Muitos estudos nesse assunto, inclusive, foram realizados após os ataques terroristas ao World Trade Center, no fatídico 11 de setembro de 2001.

A mioglobina é uma proteína muscular filtrada livremente pelos glomérulos, atingindo assim o sistema tubular. Os mecanismos propostos para o acometimento renal na rabdomiólise são:

  • injúria tubular direta;
  • obstrução intratubular;
  • vasoconstrição intrarrenal.

Dessa forma, temos o desenvolvimento de uma lesão renal aguda de mecanismo isquêmico, obstrutivo e com necrose tubular aguda. E entender esses mecanismos auxilia na conduta quando estivermos frente a um caso clássico de IRA por lesão muscular.

Identificando as causas de IRA pós-trauma

Para identificar as causas de IRA, temos que fazer uma anamnese adequada, procurando na história clínica fatores de risco para acometimento renal agudo. Nos casos de rabdomiólise associada a trauma, em geral, o quadro é bem característico, associado a acidente automobilístico, quedas de grandes alturas, esmagamento etc.

O paciente chega ao hospital muitas vezes trazido pelo serviço de resgate e o primeiro atendimento é cirúrgico, visando a estabilização clínica associada ao trauma. É realizado o famoso “ABCDE” do atendimento ao politraumatizado:

  • A = controle de vias aéreas e estabilização cervical;
  • B = checagem de respiração;
  • C = avaliação de pulso e perfusão, checando sangramentos;
  • D = avaliação neurológica breve, com escala de Glasgow e checagem de reflexos pupilares;
  • E = exposição do paciente.

Após estabilização do paciente, necessitando ou não de intervenção cirúrgica, devemos ficar atentos aos exames laboratoriais e diurese, procurando evidências de desenvolvimento de IRA. Lembre-se dos critérios de KDIGO, que levam em consideração a elevação da creatinina sérica e a evolução débito urinário após reposição volêmica adequada.

Questão de prova sobre IRA

Um dos tópicos mais cobrados em provas são os achados laboratoriais. A questão pode ser direta ou trazer um caso clínico clássico, onde você deverá identificar o problema, dar o diagnóstico e muitas vezes tratar o paciente em análise. Então, quais são os achados laboratoriais clássicos em IRA por rabdomiólise? Abaixo listamos as principais alterações encontradas nesta patologia:

  • urina escura;
  • presença de mioglobina;
  • cilindros granulosos, evidenciando necrose tubular aguda;
  • elevação de enzimas musculares no plasma, especialmente CPK (creatinofosfoquinase)
  • valores de CPK maiores que 15.000 a 20.000 U/L são preditores de acometimento renal;
  • elevação de ureia e creatinina – em quadros graves a IRA tende a ser oligúrica;
  • hipercalemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia (esta última ocorre devido à quelação de cálcio plasmático com o excesso de fosfato lançado na corrente sanguínea);
  • hiperuricemia, hipermagnesemia, elevação de DHL;
  • devido a IRA, pode haver acidose metabólica com ânion-gap (AG) aumentado.

Manejo do paciente com rabdomiólise

O manejo dos pacientes com rabdomiólise inclui: estabilização da lesão muscular, estabilização hemodinâmica com expansão volêmica adequada (reduzindo assim o risco de desenvolvimento de IRA), identificação da lesão renal, manejo clínico da IRA e suas principais complicações (hipercalcemia, acidose metabólica, hipervolemia, complicações urêmicas) e indicação ou não de terapia a dialítica.

A hidratação endovenosa precoce é o ponto mais importante na prevenção de acometimento renal. Esta deve ser vigorosa, inicialmente com 10 a 20 mL/Kg em bolus, podendo chegar posteriormente a mais de 10 L/dia de solução cristalóide (em geral, soro fisiológico 0,9%).

O objetivo da hidratação é manter um débito urinário elevado (3 mL/Kg, ou > 200 mL/hora) para evitar que a mioglobina precipite no sistema tubular, desencadeando o processo da IRA.

Mas atenção: durante a hidratação, é preciso avaliar a resposta com débito urinário e evidências clínicas de hipervolemia. Pacientes idosos, cardiopatas e renais crônicos têm maior risco de complicações volêmicas associadas à expansão hídrica.

A alcalinização urinária com administração de bicarbonato de sódio, uso de diurético osmótico (manitol) ou diurético de alça (furosemida), não apresentam evidências claras de benefício em reduzir desfechos renais. No entanto, ainda são tópicos de discussão por alguns autores estudiosos do assunto.

As indicações de terapia renal substitutiva em pacientes com IRA associada a rabdomiólise seguem as mesmas indicações de outras etiologias de lesão renal aguda:

  • IRA estágio 3 de KDIGO, especialmente quando oligúria grave e persistente;
  • hipervolemia refratária ao uso de diuréticos (edema agudo de pulmão, piora dos parâmetros ventilatórios, anasarca);
  • hipercalemia aguda grave refratária (em geral, com concentração de potássio plasmático >6,5 mEq/L);
  • acidose metabólica grave refratária (pH<7,1);
  • complicações clínicas relacionadas a uremia, em geral, com valores de ureia acima de 180-200 mg/dL (sangramentos, pericardite urêmica, encefalopatia urêmica).

A rabdomiólise é uma entidade bastante frequente, especialmente em politraumatizados. Sua evolução para injúria renal aguda denota maior gravidade do processo, aumentando assim morbidade e mortalidade do paciente. Lembrem-se sempre que a rápida identificação e prescrição de hidratação precoce reduzem o risco de evolução para IRA.

Esse tema, além de elevado interesse clínico, é também bastante cobrado nas provas de residência médica, revalidação de diploma e outros concursos médicos.

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Bons estudos!

Por Prof. Thiago Fernandes Diaz

Médico especialista em Clínica Médica e Nefrologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP - HCFMUSP. Coordenador Médico da Clínica de Nefrologia e Diálise Renal Class | Grupo CHR. Professor de Nefrologia do grupo Afya Educacional.

Referência:

The Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) Working Group. Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int Supplements 2012;

Bosch X, Poch E, Grau JM. Rhabdomyolysis and Acute Kidney Injury. N Engl J Med 2009; 361:62-72.3.Petejova, N, Martinek, A. Acute Kidney Injury due to rhabdomyolysis and renal replacement therapy: a critical review. Critical Care 2014; 18:224.4. Zimmerman JL, Shen MC. Rhabdomyolysis. Chest 2013; 144(3):1058-1065.

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