O

ano de 2020 foi muito atípico para todos. E quando pensamos em saúde, a experiência foi ainda mais desafiadora. Por conta disso, o projeto de Lives Medcetalks olhou um pouco para trás para entender como foi esse período para algumas especialidades, como Ginecologia e Obstetrícia.

Nesse artigo, você confere a retrospectiva de ginecologia, com o Prof. Jader Burtet, ginecologista, obstetra e professor da Medcel. Confira como foi o papo, mediado pelo professor Renato Akira, da Cardiologia. Você pode assistir a live completa no Instagram da Medcel.

Leia também: Ginecologista e Obstetra: saiba mais sobre a carreira médica

Principais atualizações em Ginecologia e Obstetrícia

De acordo com o Prof. Jader Burtet, duas grandes mudanças na especialidade devem ser observadas para as provas de Residência Médica. São elas:

Diretrizes ISTs

Em 2020, de acordo com o Dr. Jader Burtet, foi lançada uma nova diretriz do Ministério da Saúde sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), que gerou algumas mudanças. Uma das principais foi em relação à sífilis, que teve sua classificação antiga resgatada. Dessa forma, é considerada sífilis recente com até um ano e sífilis tardia com um ano ou mais.Para saber qual o estágio de acordo com as fases clínicas da doença, alguns pontos devem ser considerados. A sífilis recente primária, que é o cancro duro, é uma úlcera genital, indolor, com fundo brilhoso e limpo.

Esses sinais indicam que a doença está no primeiro ano. Já a sífilis secundária tem como principal característica o achado dermatológico de roséolas ou sifílides. A sífilis secundária e a latente com até um ano de evolução também são consideradas como recentes. Para a sífilis recente, o tratamento é realizado com uma dose da penicilina G benzatina. Já a latente tardia, que é aquela que tem mais de um ano, é tratada com três doses.

Na prática, porém, a grande maioria dos casos é indeterminado. Por conta disso, o tratamento deve ser feito com três doses. A orientação de tratamento da sífilis secundária com duas doses também foi excluída das diretrizes. Outro ponto de atenção relacionado com a sífilis é o seguimento do paciente, que deve ser feito com teste não treponêmico, como o VDRL. A orientação é essa porque a tendência é que o teste treponêmico fique positivo para o resto da vida na grande maioria das pessoas que já tiveram sífilis.

Vale lembrar ainda que o VDRL é quantitativo. Por isso, por mais que se espere que ele fique zerado, a dica é que caiam duas titulações em 6 meses, se for uma sífilis recente, ou em um ano se for uma sífilis tardia.

Mas, o que seria essa queda de titulações? O Dr. Jader Burtet dá um exemplo:

"O paciente tinha um VDRL de 1:128 no momento em que foi feito o diagnóstico. Depois de três meses, esse número caiu para 1:64. Depois de mais três meses, caiu para 1:32. Ou seja, caíram duas titulações e, assim, é possível considerar o paciente como tratado."

Caso as duas titulações não caiam ou, mesmo, uma delas suba uma titulação, não deve ser feito nenhum tratamento. O retratamento deve ser indicado apenas se não ocorrer a queda conforme explicado no parágrafo anterior, se aumentar duas titulações ou se o paciente apresentar sinais e/ou sintomas de sífilis.

Questão de prova: Essa questão foi tema da prova do INEP. Uma paciente gestante com diagnóstico de sífilis no primeiro trimestre não voltou para nova consulta até o terceiro trimestre de gestação. Na ocasião, ela estava com dois títulos acima do VDRL, o que indicava recontaminação. Nesse caso, o tratamento deveria ser feito com uma dose só de penicilina, pois ela é classificada na definição de sífilis recente (paciente se recontaminou na gestação).

Aborto legal no Brasil

Outra grande mudança foi relacionada com as diretrizes para o aborto legalizado no Brasil. Esse foi, inclusive, tema de uma live realizada pelo Dr. Jader Burtet, que pode ser vista no Instagram da Medcel.

Segundo o Dr., a nova portaria surpreendeu toda a comunidade médica. A principal alteração está relacionada com a obrigatoriamente de comunicado para a autoridade policial. Dessa forma, todo o médico ou toda instituição de saúde que atender uma vítima de estupro ou uma paciente que diz estar grávida por conta de um estupro deve fazer essa comunicação. Várias entidades, inclusive a própria FEBRASGO, que representa a classe da ginecologia e obstetrícia, estão tentando intervir para que essa portaria não seja mantida.

Leia também: Violência sexual e aborto legal: tudo sobre acolhimento e diretrizes 

Temas das últimas provas

Durante a live, o Dr. Jader Burtet recapitulou alguns temas que têm sido abordados nas provas que aconteceram recentemente. Confira os principais:

Anatomia

A anatomia tem sido tema com mais frequência. Algumas questões são: quais os músculos do elevador do ânus; sobre o trígono urogenital e qual era a origem da artéria uterina (vem da ilíaca interna ou hipogástrica, as ovarianas são ramos diretos da aorta, mas que, às vezes, no lado esquerdo, podem ser ramos da renal esquerda).

Fisiologia menstrual

Mais um tema importante é a fisiologia menstrual, especialmente em casos de sangramento uterino anormal. O PSU Minas apresentou o caso de uma paciente de 41 anos que começou a ter as primeiras alterações menstruais do climatério, com ciclos mais curtos. Por que isso acontece? Porque os folículos começam a reduzir a produção de inibina e isso aumenta o FSH. Ela começa, então, a fazer pico de estradiol mais precocemente e ovular mais cedo. Assim, os ciclos ficam mais curtos, com menos de 24 dias.

O Dr. Jader Burtet alerta para uma pegadinha nessa questão. Pois, apesar de a paciente ter ciclos mais curtos, ela está ovulando. A qualidade de ovulação de uma mulher de mais de 40 anos, porém, é muito mais baixa, ou seja, a reserva ovariana é menor. Por conta disso, a questão indicava que a taxa de abortamentos também é menor. Isso, porém, não é verdade, pois a taxa de abortos é maior. Em extremos do menacme, tanto na puberdade quanto próximo ao climatério, as chances de abortamento são maiores. Mais um detalhe dessa mesma questão. A segunda fase do ciclo menstrual secretora, que é a fase lútea, é fixa, com duração de 14 dias. Por conta disso, o que interfere no comprimento do ciclo menstrual é a duração da primeira fase, que é a fase proliferativa ou folicular.

No Inep Revalida, em dezembro de 2020, o mesmo tema foi abordado. Mas, dessa vez, a partir da perspectiva de uma adolescente de 14 anos. A paciente tinha um sangramento e negava atividade sexual. No exame físico, porém, foi observada ruptura himenal cicatrizada, o que indicava atividade sexual. Uma indicação nesse caso é excluir gravidez, pois pode se tratar de um aborto, ameaça de aborto ou outros diagnósticos diferenciais de sangramento de primeiro trimestre, como gestação ectópica e doença trofoblástica gestacional.

Nessa questão, muita gente pensou em coagulopatia, já que 20% dos sangramentos anormais em adolescentes são por esse motivo, especialmente doença de von Willebrand. Mas, apesar disso, é importante sempre excluir o  diagnóstico diferencial que é gravidez.

Outra questão também do revalida, sobre sangramento anormal, trazia o caso de uma paciente próxima do climatério, com cerca de 40 anos. Ela teve um sangramento excessivo, fez um ultrassom que indicava espessamento endometrial focal. Isso pode se tratar de hiperplasia ou, mesmo, câncer de endométrio. O exame padrão para avaliar a cavidade uterina é a histeroscopia.

Na prova da AMRIGS, foi apresentada uma paciente com sangramento excessivo. Entre as opções, era preciso identificar a incorreta: pólipo, mioma, endometriose e vulvovaginite. Entre essas, a vulvovaginite é a única que não causa sangramento.

Assistência ao parto

Para as questões de assistência ao parto, o Dr. Jader Burtet alerta sobre a importância de estudar a nova diretriz do Ministério da Saúde, o partograma e todas as mudanças recentes. Uma delas está relacionada com não usar mais as linhas. Além disso, existem duas grandes recomendações: depois que desprender o ombro, aplicar a ocitocina para prevenção da atonia uterina; e fazer trações controladas do cordão umbilical para dequitar a placenta no terceiro período do parto. Isso é feito a partir de movimentos circulares, feitos por 30 minutos, para desprender a placenta, pois não se deve puxá-la.

Se isso não resulta nos trinta minutos da manobra, deve ser feita a extração manual da placenta, ou seja, uma curagem. É preciso sedar a paciente, pois o procedimento é feito introduzindo a mão dentro do útero para fazer a retirada da placenta. Esse é um movimento que salva muitas vidas, pois ajuda a evitar sangramentos, contração do útero e, até mesmo, a evolução para uma histerectomia. Essa situação foi tema de uma prova da Unifesp.

Já na AMRIGS a questão abordou uma paciente com variedade de posição, esquerda transversa. E perguntaram o que significa T da sigla OET. Como explicou o Dr. Jader, essa é uma sigla que apresenta:

  • O = occipito, o ponto de referência do crânio fetal.
  • E = esquerda, ou seja, para que lado está o dorso em relação ao abdômen da mãe.
  • T = transversa, e diz exatamente a variedade de posição.

No Inep,  uma das perguntas abordou o parto pré-termo. A questão apresentou o caso de uma paciente na qual iniciaram com progesterona para prevenção do parto pré-termo. A pergunta era: qual o motivo para ter prescrito a progesterona? A resposta estava relacionada com uma história de trabalho de parto pré-termo prévio, que é uma das indicações formais. Outra indicação é no caso de a paciente ter o colo curto, abaixo de 2,5 cm.

Na FHEMIG, foi questionada a diferença entre hemorragia pós-parto primária e secundária. A primária é a que acontece nas primeiras 24 horas depois do parto. Geralmente, a causa dessas hemorragias é atonia uterina, laceração ou retenção de restos. Acontece especialmente em partos que foram muito rápidos.

A secundária é quando a paciente volta a sangrar depois de 24 horas do parto. Nesse caso, é preciso pensar em uma subinvolução do leito placentário, endometrite ou, mesmo, podem ter ficado restos. Por isso é importante avaliar se a placenta saiu íntegra.

Climatério

O climatério é mais um dos assuntos que têm sido abordados com grande frequência. Quando os sintomas como fogachos começam a surgir, é preciso ou não dosar o FSH? Se é uma mulher que está em idade compatível, ou seja, com mais de 40 anos, não é necessário, pois é fisiológico. Essa dosagem só é feita em casos de insuficiência ovariana prematura, antes dos 40 anos.

Já em relação à terapia hormonal, a questão é bem parecida: a TH deve ser prescrita para uma paciente? Nesse caso, o importante é avaliar as contraindicações clássicas:

  • história de câncer de mama;
  • história de câncer de endométrio;
  • sangramento vaginal não diagnosticado;
  • história de fenômenos tromboembólicos;
  • doença hepática ativa;
  • porfiria.

Caso a paciente não tenha nenhuma dessas contraindicações, a TH pode ser indicada para ajudar na sua qualidade de vida.Uma dúvida comum e que pode ser questão de prova é relacionada com pacientes tabagistas. Essa não é uma contraindicação, então pode a TH pode ser realizada, mesmo que exista um risco maior de tromboembolismo.

Leia também: O que faz um ginecologista?

Diabetes gestacional

Outro tema abordado nas provas é a diabetes gestacional, diagnóstico dado a uma paciente com glicemia em jejum de 92 a 125. O Dr. Jader Burtet já deu dicas sobre esse tema em um vídeo, que você confere clicando aqui!

Na AMRIGS, foi questionada qual a conduta com uma paciente com esse diagnóstico. A conduta inicial é sempre dieta e atividade física. Se a paciente segue corretamente, pode nãpo ser necessário insulinizar a gestante.

Otimização das condutas no SUS

Um dos pontos essenciais no atendimento público, cobrado também nas provas, é a otimização dos atendimentos e condutas. Segundo o Dr. Jader, academicamente, a propedêutica indicada para patologia cervical em paciente na qual é identificada uma lesão de alto grau no papanicolau é a colposcopia. Se na colposcopia existe algum achado, a indicação correta é biopsiar. A orientação do Ministério da Saúde, no entanto, é otimizar as condutas do SUS. Por conta das grandes filas, é preciso dar fluxo para essas pacientes.

Uma forma de fazer isso no caso de uma  lesão de alto grau é indicar a excisão da zona de transformação caso a colposcopia seja satisfatória e com achados maiores.

HPV e NIC

O HPV e a Neoplasia Intraepitelial Cervical (NIC) são assuntos que sempre caem na prova. Em 2020, em sua maioria, os temas foram abordados a partir do ponto de vista das condutas no ASC-US, o que às vezes causa muitas dúvidas. A conduta é repetir o exame em um ano se a paciente tiver entre 25 e 29 anos, uma vez ao ano. Nessa faixa etária a possibilidade de uma lesão de alto grau ainda é muito pequena. A partir dos 30 anos, porém, o exame deve ser repetido em seis meses.

Câncer de mama

Em ginecologia, o câncer de mama é o principal assunto relacionado com oncologia. Na Unifesp, a questão apresentou o caso de uma paciente jovem que tinha um nódulo mamário de consistência fibroelástica, móvel à palpação, que foi submetida a biópsia cirúrgica que indicou fibroadenoma complexo no anatomopatológico. Na prova, era preciso indicar qual a conduta nesse caso. Segundo o Dr. Jader Burtet, não é preciso fazer nada, pois o fibroadenoma complexo já havia sido removido.

Para ficar atento: o fibroadenoma complexo é um marcador de risco para câncer de mama. Não significa que vai se transformar em câncer, mas indica que a paciente tem um risco maior de ter câncer de mama ao longo da sua vida.

É importante, ainda, estudar imagens de mamografia, que sempre são apresentados em questões de prova. Uma das mais clássicas apresenta o nódulo espiculado. Em um nódulo de contornos irregulares, a recomendação imediata é biopsiar, porque tem grande chance de ser um câncer de mama, sobretudo em uma paciente com mais de 50 anos.

Em caso de microcalcificações suspeitas irregulares, com disposição linear, é preciso fazer a análise histológica. Pois, pode ser um câncer de mama. Nesse tipo, mais provavelmente, carcinoma ductal in situ.

Em microcalcificações agrupadas e irregulares pleomórficas, a indicação é fazer um agulhamento guiado por mamografia. Existem, também, outros métodos propedêuticos como o ROLL, que é por meio de medicina nuclear e a mamotomia, um sistema de biópsia a vácuo que retira fragmentos maiores das áreas de microcalcificações.

Leia também: Câncer de Mama

Sobre o Prof. Dr. Jader Burtet

O Prof. Dr. Jader Burtet é mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Tem residência médica em Mastologia, Ginecologia e Obstetrícia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). É graduado pela Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Além disso, é preceptor da Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, de Porto Alegre/RS.

Quer receber conteúdos exclusivos sobre Residência Médica? Inscreva-se e boa preparação!

Obrigado! Seu envio já foi recebido no nosso sistema.
Algo deu errado. Revise os campos acima.
Postado em
17/3/21
na categoria
R1

Mais sobre 

R1

ver tudo