ete da noite, eu e ela no sofá, assistindo a um documentário na TV. Meu celular me chama...
Ela fica brava e comenta: - Paciente a essa hora, mãe?
Eu olho no visor, com um sorriso: - Não é paciente, filha, é sua amiga, querendo falar com você!
- Ufa! Foi por pouco!
Leia também: Empreendedorismo Médico e Residência: é possível conciliar?
Dois amores
Entre dois amores, é comum haver ciúme. A medicina tenta me roubar a todo momento, minha filha briga pelo seu espaço. As duas ocupam o melhor lugar no meu coração.
Eu já era médica quando decidi ser mãe. Sabia que a maternidade seria mais difícil que a medicina, e conciliar as duas, um grande desafio.
Gravidez
Logo na gravidez, você descobre que precisa diminuir um pouco o ritmo de trabalho, fica mais cansada, quer curtir o momento.
Comecei a refletir sobre que tipo de trabalho eu não gostaria mais de fazer e quais seriam as minhas melhores alternativas para ter o bem que me parecia ser o mais precioso tempo.
Maternidade
Sem a maternidade acho que não teria feito isso. Eu trabalhava muito, tinha muitos plantões, passava dias e noites fora de casa. Tudo pela medicina! Mas pouco para mim. Não tinha tempo para viajar, sair com os amigos, fazer as unhas...
Quando ela nasceu, durante a licença maternidade, pensei ainda mais. Fiz alguns planejamentos e resolvi me valorizar mais como médica, para ser uma mãe de maior qualidade.
Trabalho
Ao contrário do que me diziam, fiquei com muita saudade do trabalho, e voltei feliz aos atendimentos, quando ela tinha apenas dois meses. Era uma correria! Tirava leite, congelava, atendia dois pacientes, voltava para casa, preocupada e com saudade dela.
No primeiro dia de escola percebi que ela não era mais meu bebezinho, já estava lá um pouco mais voltada para o mundo. Algumas mães ficavam chorando no portão, eu fiquei feliz! Gostei de vê-la brincar, se sujar e interagir com outras crianças.
Aí vieram as doenças, muitas! Eu ia equilibrando as demandas como dava... desmarcava paciente, ligava no trabalho e combinava de compensar depois. Aquela dupla preocupação: - Será que ela vai ficar bem? Como é que eu vou fazer para recuperar o trabalho?
Essa fase passa. Logo. Todas as fases passam muito rápido. E em todas elas temos dificuldades. Basta se acostumar a uma, que outra aparece.
Ela estava crescendo, e eu também. Como pessoa e como profissional. A maternidade nos dá maior flexibilidade, criatividade e jogo de cintura para lidar com os problemas, inclusive na medicina.
Leia também: Cirurgia Cardiovascular: mercado de trabalho e perspectivas
Dia a dia
Conforme os anos se passaram ela me acompanhava, algumas vezes, no consultório, assistindo a aulas, aguardando atendimentos. Conheceu o hospital, instituições para deficientes, universidades. Começou por necessidade (não tinha com quem deixá-la), depois ela foi curtindo. Curtindo e entendendo, e gostando, e valorizando.
Ainda tem ciúmes da minha outra escolha. Mas agora entende.
Às vezes fico triste, achando que não dou conta de tudo, que não sou boa mãe, esposa, médica...
Mas na maioria dos dias, ao deitar na cama, ainda que muito casada, me sinto incrível!
Consegui levar na escola, preparar o lanche, separar as duas garrafas pet e cinco tampinhas de refrigerante para o trabalho na escola, me arrumar para o trabalho, atender 10 pacientes, conversar com familiares, preparar uma palestra, pagar três contas pela internet, deixar o carro na revisão, ir ao açougue, buscar minha filha na escola, preparar uma comidinha fácil, ajudar na lição de casa, conversar sobre a escola, colocá-la para dormir, e ainda dar uma olhadinha nas redes sociais, e naquele trabalho científico que eu vi no grupo do Whatsapp.
Mãe e Médica
Hoje sou melhor médica por também ser mãe, e tento ser cada dia uma mãe melhor, mesmo sendo médica. Sigo vivendo com os dois amores da minha vida! Não é fácil, mas é possível, gostoso e recompensador!
Profª. Dra. Lícia Oliveira