violência obstétrica vem se tornando cada vez mais visível. São artigos, estudos e casos relatados pela mídia que, ciclicamente, trazem o tema para a pauta social. A manifestação da violência obstétrica pode ocorrer não apenas fisicamente ou durante o parto. Ou seja, entre as principais características da violência obstétrica estão:
- negação de tratamento durante o parto;
- desprezo às necessidades da mulher e sua dor;
- humilhação verbal;
- humilhação psicológica;
- coerção a aceitação de intervenções médicas;
- práticas invasivas;
- uso de medicamentos desnecessários;
- desatenção ao chegar ao hospital em razão da falta de dor;
- tratamento rude ou desumanizado.
A fim de entender como esse tipo de agressão contra a mulher ocorre e como é possível evitar que isso aconteça, conversamos com o Dr. Jader Burtet, Médico Ginecologista, Mestre em Ciências da Saúde e professor de Ginecologia e Obstetrícia da Medcel.
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Confira a entrevista sobre violência obstétrica e práticas para contê-la!
1. Lendo alguns dos materiais que tratam o tema é fácil observar que a violência obstétrica/ violência institucional (VO/VI) não está restrita ao momento do parto ativo. Ela pode ocorrer ainda durante o pré-natal. Na sua visão, os profissionais poderiam estar mais bem orientados para evitar que ela ocorresse? E as pacientes?
A VO/VI é um termo que passou a ser utilizado nos últimos 10 anos com o intuito de questionar o formato com que o atendimento e o entendimento do ciclo gravídico-puerperal no Brasil, e no mundo, foram construídos após a revolução industrial e a medicalização. Acredito que ela inicia desde antes ainda do pré-natal no que tange à educação reprodutiva. Muitas das opções atuais de anticoncepção não estão acessíveis para todas as pessoas nas unidades básicas de saúde. Muitas vezes as que estão disponíveis não são totalmente orientadas pelos profissionais de saúde. Além disso, os mitos, a intensa onda de desinformação e a ausência de entendimento sobre anticoncepção por parte de muitos pacientes se soma de forma importante a isso tudo.
Acredito que os profissionais devem ser orientados a compreender o que significa VO/VI sem julgamentos, entender o contexto biopsicossocial em que os pacientes estão inseridos e serem capacitados para um acolhimento pré-natal adequado e humanizado. É importante que os profissionais compreendam que a gestação é um momento muito novo na vida da mulher e que, por esse motivo, gera insegurança e dúvidas. Por isso é fundamental que os profissionais estejam habilitados para acolher e fornecer segurança às pacientes.
Paralelamente, as pacientes devem evitar buscar informações em fontes duvidosas e direcionar as suas dúvidas aos profissionais que prestam o acolhimento e o atendimento.
2. Quando se fala em VO/VI, algumas polêmicas se dão em torno de procedimentos como uso de ocitocina, manobra de Kristeller, extrator a vácuo e episiotomia. Pode falar um pouco sobre cada um deles e explicar se há situações em que esses procedimentos podem ser recomendados/necessários?
A ocitocina é um hormônio produzido pelo próprio organismo que tem por função promover as contrações uterinas durante o trabalho de parto e a ejeção do leite durante a amamentação. O uso de ocitocina sintética pode ser feito com o intuito de indução do parto ou de acelerar as contrações quando a evolução do parto está anormalmente lenta. Entretanto, observou-se o uso indiscriminado da ocitocina nos últimos anos fora das indicações formais e sem o consentimento das pacientes. A polêmica justamente é que existem situações em que a ocitocina tem indicação técnica de ser prescrita e, portanto, não pode ser abandonada. O importante é que seja usada nos cenários em que existe indicação técnica de claro benefício para o binômio materno-fetal e sempre com o consentimento da paciente.
A manobra de Kristeller consiste na pressão sobre o fundo uterino no intuito de acelerar o nascimento, e, por muito tempo, foi realizada. Os estudos já mostraram que os riscos de complicações do procedimento são superiores aos benefícios. Portanto, a manobra de Kristeller deve ser abandonada.
O extrator a vácuo e o fórcipe obstétrico são instrumentos usados para acelerar o período expulsivo nos casos em que existem indicações técnicas. A principal delas é a identificação de uma possível hipóxia fetal (falta de oxigênio para o feto). Nestes casos, o parto pode ser abreviado com o uso destes instrumentos. A questão toda é a mesma da ocitocina, ou seja, esses instrumentos devem ser usados somente quando existe indicação técnica e sempre com o consentimento da paciente. São raros os nascimentos em que esses instrumentos são indicados.
A episiotomia é uma incisão no períneo realizada nas situações em que o risco de laceração é muito grande ou ainda quando existe necessidade de abreviar o parto. Também é um procedimento que só deve ser realizado nos poucos casos em que existe indicação e sempre com consentimento da paciente.
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3. No caso desses procedimentos citados (ou de alguns deles) serem necessários, qual a hora correta de falar sobre eles com a gestante?
O melhor momento é falar durante o pré-natal. A paciente deve ser informada sobre a possibilidade de indicação técnica desses procedimentos de exceção e o profissional deve certificar que houve compreensão. Novamente é importante que a paciente busque a informação com o profissional de saúde e não por outros meios que possam não ter fontes científicas. Se houver indicação desses procedimentos durante o trabalho de parto a paciente deve sempre consentir.
4. Um artigo publicado por pesquisadoras da Universidade Federal de Santa Catarina levantou a discussão sobre a importância da relação entre médico e paciente e a contribuição que as mulheres podem oferecer ao serem abertas à orientação de qualidade e ao combate de modismos. Qual sua visão sobre isso?
É fundamental que as mulheres sejam providas da informação correta. Após terem compreendido devem trazer os seus planos de parto relatando o que desejam e consentem. Dessa forma, providas da informação cientificamente correta, as mulheres devem construir, junto com o profissional, uma proposta de assistência que seja adequada e confortável. Acredito que os modismos serão combatidos secundariamente a isso.
5. Ainda em complemento à questão anterior, tendo em vista que a VO/ VI não considera apenas as questões técnicas do atendimento, melhorar a comunicação entre profissional e paciente seria uma das chaves para reduzir os casos de abusos nesse sentido?
Como em tudo no mundo, diálogo, compreensão e bom vínculo entre as pessoas resolve a imensa maioria dos insucessos. Portanto, melhorar a comunicação entre o profissional e a paciente com franqueza, informação correta e confiança são os pontos fundamentais para termos uma sociedade mais evoluída.
6. Gostaria de acrescentar algo? Fique à vontade.
Acredito que um dos grandes problemas, em todos os relacionamentos humanos, tem sido a incapacidade de diálogo. A escuta sem julgamentos por ambas as partes deve ser o ponto de partida principal. Se não houver capacidade de escuta e entendimento, as consequências podem ser sempre deletérias em todas as esferas do relacionamento humano. Também acredito que os profissionais devem estar abertos a considerar reflexões em relação à forma de assistência visto que se usássemos o argumento de que "sempre foi assim e deu certo" o mundo jamais teria evoluído.
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