iabetes gestacional, ou diabetes mellitus gestacional (DMG), refere-se a uma situação em que a mulher apresenta hiperglicemia que foi detectada pela 1ª vez durante a gravidez, mas que os níveis glicêmicos no sangue não atingem os critérios diagnósticos para diabetes mellitus. A definição aplica-se independentemente do tratamento necessário ou da persistência da hiperglicemia após a gestação.
Em artigo de revisão, Bolognani et al. ressaltam que mulheres que engravidam já com algum grau de resistência à insulina, como é o caso daquelas com sobrepeso, obesidade ou síndrome dos ovários policísticos (SOP), podem desenvolver hiperglicemia em razão da combinação desses fatores supracitados com a ação dos hormônios placentários anti-insulínicos.
Diabetes Mellitus: conheça as diferentes classificações
Saber classificar a doença é essencial para que o paciente receba tratamento adequado. As diretrizes para classificação do diabetes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) preconizam que, na maioria das vezes, as características clínicas são suficientes para identificar os diferentes tipos de diabetes.
A classificação deve ser feita com base na etiopatogenia do diabetes, que engloba:
- Diabetes tipo 1 (DM1)
- Diabetes tipo 2 (DM2)
- Diabetes gestacional (DMG)
Este último ocorre, portanto, quando a mulher que não tinha diagnóstico prévio de diabetes mellitus apresenta hiperglicemia durante a gravidez e seus níveis glicêmicos sanguíneos atingem os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o diabetes mellitus fora da gestação.
Caracteriza-se como hiperglicemia os casos em que o paciente apresenta resultados de níveis glicêmicos > de 126mg/dl, em jejum ou > 200mg/dl até duas horas após uma refeição).
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Confira a incidência do diabetes gestacional e por que ela ocorre
A incidência do diabetes na gravidez varia no mundo (de 3 a 12%), dependendo das populações estudadas. No Brasil, cerca de 7% das gestantes apresentam esta condição. Durante a gestação, o organismo materno sofre diferentes alterações metabólicas na primeira e na segunda metades da gestação, a fim de oferecer nutrição adequada ao feto que está em desenvolvimento.
Na primeira metade da gestação ocorre a diminuição em cerca de 10 a 20% dos níveis glicêmicos maternos, alteração devida ao aumento da secreção pancreática de insulina decorrente do aumento do estrogênio e da progesterona. Apenas a glicose atravessa livremente a placenta, e o feto é o responsável pela produção da insulina necessária para manter o seu metabolismo equilibrado .
Dessa forma, nesse momento da gestação, notam-se a diminuição da glicemia materna de jejum, diminuição da produção hepática de glicogênio e aumento no seu armazenamento.
Por outro lado, na segunda metade da gestação, com o intuito de promover o crescimento fetal adequado, ocorre aumento da resistência periférica à insulina na gestante, devido ao aumento da produção placentária de hormônios contra insulinêmicos, especialmente o lactogênio placentário.
No estudo de revisão de Bolognani et al, a explicação sobre o desequilíbrio que ocorre na segunda metade da gestação, levando ao desenvolvimento do DMG, fica bastante clara. As autoras esclarecem que o desenvolvimento da resistência insulínica (RI) nesta fase gestacional é resultado de um desequilíbrio no qual, ao invés de haver adaptação fisiológica para que o aporte necessário de glicose seja direcionado ao feto, há potencialização de estado fisiológico de resistência insulínica em tecidos periféricos, o que impõe a necessidade de maior produção de insulina e incapacidade do pâncreas de responde à RI fisiológica ou à sobreposta.
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Como fechar o diagnóstico de DMG? Saiba mais sobre o TTGO
O diagnóstico do diabetes gestacional é realizado com testes de sobrecarga de glicose ou glicemia de jejum. O teste de sobrecarga, também chamado de Teste de Tolerância à Glicose Oral (TTGO) deve ser feito entre a 24ª e 28ª semana de gestação e exige preparo prévio com jejum de 8 a 12 horas e repouso por um período de 2 a 3 horas após a ingestão de 75 ou 100g de glicose.
A realização se dá da seguinte maneira:
- é feita uma coleta de sangue na paciente que passou por jejum de 8 horas;
- a seguir, a gestante recebe cerca de 75g de glicose diluída em água para ingestão;
- após a ingestão, novas amostras são coletadas.
Segundo a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o diabetes gestacional fica caracterizado quando a paciente apresenta pelos menos dois dos valores entre os critérios a seguir: níveis ≥ 95 mg/dl em jejum, ≥ 180 mg/dl na primeira hora e ≥ 155 mg/dl na segunda hora.
Contudo, boa parte das gestantes abandona esse exame, pois de 20% a 30% delas sofrem com náuseas e vômitos durante sua realização.
Recomendações do Ministério da Saúde
Sendo assim, de acordo com recomendações do Ministério da Saúde do Brasil, toda gestante deve realizar um exame de glicemia antes da 20ª semana da gestação, o quanto antes possível. Se o resultado deste exame estiver normal, (resultado menor que 92 mg/dl), a gestante deverá realizar teste de tolerância de glicose com 75g de glicose entre a 24ª e a 28ª de gestação.
Por que identificar o DMG é importante?
Diagnosticar o diabetes mellitus durante a gestação é essencial para assegurar a saúde da mãe e do bebê durante o desenvolvimento da gravidez. Ademais, promover um controle glicêmico rigoroso na pré-concepção e durante a gestação está associado a menor morbimortalidade perinatal, além de evitar fatores como pré-eclâmpsia e eclâmpsia.
Quando presente no momento da concepção (fertilização) e no primeiro trimestre da gravidez, a hiperglicemia materna pode afetar a organogênese e provocar abortamentos, malformações congênitas e restrição do crescimento fetal (isso ocorre principalmente no diabetes mellitus pré-gestacional, seja do tipo 1 ou 2).
Mais tardiamente, no segundo e terceiro trimestres, a hiperglicemia resulta em hiperinsulinemia fetal e macrossomia (peso ao nascimento de pelo menos 4.000 g). A macrossomia predispõe a lesões do parto, especialmente distocia de ombro, alto risco de lesão do plexo braquial, fraturas de clavícula ou do úmero, asfixia perinatal e, menos frequentemente, hemorragia subdural e paralisia facial.
Além disso, recém-nascidos de mães diabéticas representam grupo de risco específico de hipoglicemia precoce, distúrbios respiratórios, policitemia, hiperbilirrubinemia, disfunção miocárdica, trombose da veia renal, prematuridade e asfixia perinatal.
Segundo dados da OMS, o histórico de diabetes gestacional é um importante fator de risco para desenvolvimento de diabetes tipo 2 ao longo da vida adulta; assim, aproximadamente 6 semanas após o parto, a mulher que teve diabetes gestacional deve realizar um novo teste oral de tolerância à glicose.
Fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes na gravidez:
- Idade materna mais avançada (acima de 25 anos);
- Ganho de peso excessivo durante a gestação;
- Sobrepeso ou obesidade
- Síndrome dos ovários policísticos
- História prévia de filhos nascidos com mais de 4 kg
- História de diabetes gestacional prévio
- História familiar de diabetes em parentes de 1º grau
- Hipertensão arterial sistêmica e gestação múltipla.
Por se tratar de uma condição ou doença que possa oferecer algum risco à mãe ou ao bebê identificada durante a gestação, a diabetes gestacional é uma das causas do que se considera gravidez de risco.
Leia também: Mortalidade materna.
Controle do diabetes gestacional
O controle do diabetes gestacional é feito, na maioria das vezes, por meio de dieta adequada e realização de atividade física. Aquelas gestantes que não chegam a um controle adequado com essa primeira abordagem terapêutica têm que utilizar insulina, já que o uso da insulina é seguro durante a gestação; o objetivo do tratamento é a normalização da glicemia materna, ou seja, manter níveis de glicose menores que 95 mg/dl (no jejum) e menores que 140 mg/dl (uma hora após as refeições).
Cuidados com o momento do parto
Além de manter os cuidados para controle do diabetes gestacional enquanto o feto se desenvolve, é preciso também que o médico oriente a mulher quanto à importância de manter-se atenta para a hora do parto. Preferencialmente, ele deve ocorrer espontaneamente, via vaginal. No entanto, caso isso não aconteça até a 39ª semana de gestação, a cesariana pode ser recomendada a fim de evitar ocorrências, como a distocia do ombro e bebê natimorto, por exemplo.
Para controle dos níveis glicêmicos, durante o trabalho de parto e o parto em si, a mulher pode receber também a infusão contínua de insulina em baixas doses. Já nas primeiras seis semanas após o parto, a meta a ser estabelecida deve ser a de normalizar os níveis glicêmicos.
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Artigo elaborado em parceria com Fábio R. Cabar (ginecologista e obstetra, advogado e professor de Obstetrícia).