Sobre o Refluxo Gastroesofágico (RGE) e a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE)

Junto com a Esofagite Eosinofílica (EoE), essas são as condições esofágicas mais prevalentes, que acometem todas as faixas etárias em Pediatria. O refluxo gastroesofágico (RGE) é passagem do conteúdo gástrico para o esôfago, com ou sem regurgitações e/ou vômito. Pode ser um processo considerado fisiológico, que ocorre várias vezes ao dia, após as refeições, em todas as idades e ocasiona pouco ou nenhum sintoma. Quando ocorrem sintomas, chamamos de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).

Lactente:

RGE fisiológico: ocorre em grande parte dos lactentes, pode começar a partir da 3ª semana de vida e tende a se resolver ao longo do 1º ano de vida. Raramente aparece antes da 1ª semana ou depois do 6º mês de vida. Tem grande incidência entre 2 e 4 meses com pico entre os 4 e 5 meses, e caminha para resolução espontânea após esse período. Isso cai em prova!

O processo fisiológico mais importante para causar o refluxo no lactente é o aumento dos relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior (EEI). Com o crescimento e amadurecimento do EEI, os eventos de RGE ficam menos intensos. A grande maioria dos casos de RGE no lactente são fisiológicos.  

Critérios de Roma IV para regurgitação do lactente (ou refluxo fisiológico):

Devem estar presentes as 2 características seguintes entre as idades de 3 semanas e 12 meses, na ausência de outro problema de saúde:  

1. Duas ou mais regurgitações por dia durante três ou mais semanas;  

2. Ausência de náuseas, hematêmese, aspiração, apneia, déficit de crescimento, dificuldades na alimentação ou para a deglutição, postura anormal.

Conduta na regurgitação do lactente:

São considerados “regurgitadores felizes” e não necessitam de tratamento medicamentoso.  

Medidas conservadoras:  

  • Evitar o overfeeding, usar fórmulas espessadas (AR) se a criança estiver em uso de fórmula. Nas que estão em aleitamento materno não se deve modificar a alimentação, manter em livre demanda;
  • Não usar roupas apertadas; troca das fraldas antes das mamadas; infusões lentas nas crianças com uso de sonda; evitar o tabagismo (exposição ao tabaco induz o relaxamento do EEI);  
  • Posição supina para dormir sempre!

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Sinais de alarme que sugerem outras doenças

Sinais e sintomas sugestivos de DRGE (lactentes e crianças maiores)

Conduta no lactente com suspeita de DRGE sugerida pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP):

Muitas vezes, é difícil diferenciar entre os sintomas da DRGE e alergia alimentar ou cólica do lactente, pois ambos podem-se manifestar com choro e irritabilidade.  

Os consensos aconselham, em primeiro lugar, as medidas mais conservadoras e tentar um teste terapêutico com fórmulas extensamente hidrolisadas (FeH) antes de usar medicações para DRGE, nas crianças que não são amamentadas, e de restrição de leite de vaca da dieta materna, nas amamentadas.

O refluxo em lactentes é raramente ácido!

Em relação às crianças maiores, é muito semelhante à doença no adulto e tem maior chance de evoluir para cronicidade.  

Fenótipos de DRGE:

  1. DRGE erosiva (endoscopia alterada);  
  1. NERD — doença do refluxo esofágica não erosiva (endoscopia normal e exposição ácida esofágica anormal);  
  1. Hipersensibilidade esofágica (exposição ácida normal, com correlação com sintomas);  
  1. Azia funcional (exposição ácida normal, sem correlação com sintomas).  

A exposição ácida pode ser avaliada pela pHmetria ou pH-impedanciometria.  

Manejo na criança maior e adolescente:

Evitar refeições volumosas e altamente calóricas — alimentos gordurosos retardam o esvaziamento gástrico e diminuem a pressão do EEI. Evitar chocolates, refrigerantes, chá e café. Evitar comer pouco antes de dormir. Dormir em decúbito lateral esquerdo com a cabeceira elevada.  
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Fluxograma para atendimento das crianças maiores e adolescentes (SBP)

Exames complementares para detectar a DRGE

Nos exames, a detecção do refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago, não significa que o paciente tenha, necessariamente, DRGE!  

Esses exames ajudam a documentar a presença de RGE e suas complicações, e até mesmo estabelecer qual é a relação entre o RGE e os sintomas, avaliar a efetividade do tratamento, além de excluir outras patologias.

  • Radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno (RxEED)

Não é adequado para o diagnóstico de DRGE. Avalia apenas o RGE pós-prandial imediato, não quantifica os episódios de refluxo. Seu principal papel é fazer a avaliação anatômica do trato digestório alto.

  • Cintilografia gastroesofágica

Avalia apenas o RGE pós-prandial imediato. Avalia o esvaziamento gástrico e detecta a aspiração pulmonar. Guias atuais não recomendam seu uso.  

  • Ultrassonografia esofagogástrica

Não é recomendada para avaliação clínica de rotina.  

  • pHmetria esofágica

Quantifica e correlaciona os episódios de refluxo ÁCIDO com sinais e sintomas. Não avalia refluxos não ácidos ou fracamente ácidos, muito presente nos lactentes. Indicado quando não houver pH-impedâncio, para correlacionar os sintomas com a exposição ácida.

  • pH-impedanciometria (ou pH-MII)

Correlaciona sintomas com RGE ácido e não-ácido; esclarece o papel do refluxo ácido e do não-ácido na etiologia da esofagite; determina a eficácia da terapia ácida e, principalmente, diferencia NERD de esôfago hipersensível e de azia funcional naqueles pacientes com endoscopias normais.

  • Manometria esofágica

Indicada nos pacientes que com quadro de dismotilidade esofágica, cujos principais sintomas são a disfagia e a odinofagia.

  • Endoscopia digestiva alta com biópsia

A realização deste procedimento possibilita a identificação de complicações esofágicas decorrentes da DRGE, tais como esofagite, estenose péptica ou esôfago de Barrett, bem como a diferenciação do diagnóstico com outras doenças tanto pépticas quanto não-pépticas, incluindo a esofagite eosinofílica (EoE), esofagite fúngica, úlcera duodenal, gastrite por H. pylori, gastroenteropatia eosinofílica, malformações e neoplasias.

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Medicações indicadas no tratamento da DRGE

Antiácidos e alginatos neutralizam o ácido gástrico, e são usados para tratar azia e dispepsia. Recomendados pela guia Nice do Reino Unido, para lactentes pequenos, antes de lançar-se à mão medicamentos como os IBPs.

O sucralfato é um citoprotetor, pode também ser usado na tentativa de proteger a mucosa gástrica e melhorar os sintomas.  

Agentes procinéticos como bromoprida, domperidona e metoclopramida possuem efeitos colaterais mais importantes do que os benefícios e não são indicados no tratamento do RGE. Tem indicação moderada quando há evidência de gastroparesia.

Agentes inibidores da secreção ácida

  • Antagonistas do receptor H2 da histamina: famotidina, cimetidina. Pouco usados desde que a ranitidina foi suspensa do mercado.  
  • Inibidores da bomba de prótons: os IBP estão indicados nos casos de esofagite erosiva, estenose péptica ou esôfago de Barrett, bem como nas crianças que necessitam de um bloqueio mais efetivo da secreção ácida. No Brasil, o único IBP com permissão em bula para crianças abaixo de 12 anos é o Losec Mups®.
  • Efeitos colaterais: reações idiossincráticas, interações com outras drogas, hipergastrinemia e hipocloridria induzidas por droga; pneumonias adquiridas na comunidade, gastroenterites e candidíases. Alteram a flora intestinal.  
  • Modo de uso: antes da primeira refeição e protegidos do ácido gástrico pela cobertura entérica. Quebrar, esmagar ou amassar os comprimidos retira a proteção ácida gástrica. Após uso prolongado, deve-se desmamar gradativamente a dose do IBP até suspender.

Tratamento cirúrgico — indicação de fundoplicatura:

  • Complicações que ameaçam a vida;
  • Depois de avaliação apropriada para excluir outras doenças;  
  • Condições crônicas (fibrose cística, neuropatas), com risco importante de complicações;  
  • Necessidade de uso crônico de medicações para controle dos sintomas.

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Por Lygia Lauand

Graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Médica Assistente e preceptora da residência de gastroenterologia pediátrica da FCMSCSP. Membro do Departamento Científico de Gastroenterologia Pediátrica da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).

REFERÊNCIAS

Refluxo e Doença do Refluxo Gastroesofágico em Pediatria. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/23224c-GPO-Refluxo_e_Doenca_RefluxoGastroesof_em_Pediatria.pdf. Acesso em: 27 abr. 2023.

Shutterstock - Orawan Pattarawimonchai. Disponível em https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/gastroesophageal-reflux-disease-gerd-acid-symptoms-1994470688

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Postado em
27/4/23
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